Sebastian Yatra abraça a própria verdade em “Dharma”, novo álbum


Publicado em 1 de fevereiro de 2022




Durante a entrevista, eu comento com Sebastián Yatra que “Dharma” é seu álbum de liberdade. Ele concorda e, em seguida, pede licença dizendo: “Preciso fazer um tuíte com essa palavra”. Com milhões de seguidores, parece interessado em explorar significados e minúcias.

Lançado na última sexta-feira (28), seu novo projeto reúne 17 canções que passeiam por diferentes gêneros musicais. Se na faixa título, uma colaboração com os já consagrados Jorge Celedón (COL) e Rosário (ESP), ele mistura vallenato e flamenco, em “Quererte Bonito” o violão cria uma atmosfera agridoce, perfeita para uma balada.

Pule para a faixa seguinte, “Tacones Rojos”, e encontre o frescor das pistas eletrônicas da Europa. Alguns passos mais adiante e “Las Dudas”, com Aitana (ESP), revela um peculiar encontro com o rock, aqui mesclado em suas vertentes hispânica e norte-americana. É claro que ele faz do próprio jeito, mas cita The Weeknd como precursor.

Ao encerrar a jornada com “Pareja Del Año”, parceria com Myke Towers, o ouvinte é convidado a dançar um reguetón.

A liberdade, de fato, se estende aos sons elegidos e ao amor, cantado a plenos pulmões sob diferentes ângulos. É ele quem rege esta narrativa de encontros e desencontros e é tema desta entrevista. Por telefone, o cantor falou sobre maturidade, intermináveis buscas sonoras e o sucesso que vem conquistando nos últimos anos ao ponto de ser considerado um dos grandes artistas do pop mainstream exportado pela Colômbia.

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Papelpop: Você batiza o novo disco como “Dharma”, uma palavra em sânscrito que remete a elevação espiritual, alcance da verdade, compreensão espiritual. O que há por trás dessa escolha?

Sebastián Yatra: Por trás de ‘Dharma’ há muito amor, sentimentos de todo tipo e isso é belíssimo porque fiz um disco baseado em minha realidade. O conceito de ‘dharma’ [termo em sânscrito] é justamente o de “aceitar a realidade existente ao redor”, então, quando o anunciei escrevi que tinha colocado em cada uma das canções emoções como raiva, medo, dor, angústia, felicidade, esperança, fé, entusiasmo, alegria. Existe uma mistura de coisas benéficas e outras malignas e isso, ao meu ver, se refletiu nas faixas. Há músicas que se voltam para emoções muito específicas e que se conectam a ritmos e elementos que dependem do tipo de mensagem que decidi empregar, que queria contar.

O rock vem dessa força motriz que se encontra na raiva? Digo isso porque “Las Dudas”, sua parceria com Aitana, é um pop punk bem tradicional e cumpre tanto essa função de conector, como também a de trazer diversidade ao projeto. 

Acho que sim. Para escrever esta música eu usei algumas referências específicas como o [grupo argentino] Soda Stereo, mas também uma banda espanhola chamada Estopa e outra mexicana, Molotov, que é bem intensa. Foquei bastante no rock latino-americano e no rock espanhol. Eles são bem ‘pesados’ no quesito composição, em alguns momentos cheguei a pensar ‘Olha, isso não soa exatamente como eu soaria’, então fiz meio que um protesto e segui por um viés mais pop, mais suave e próximo do que significa minha essência. Já na hora de gravar e produzir, pensamos no rock clássico norte-americano, além de trazer Aitana, que acaba de lançar um disco inspirado nesta estética. Ela deu um toque especial ao todo. Acho que as pessoas vão gostar bastante.

Do início ao fim me parece um disco feito por alguém apaixonado, não importa por que ou quem, especialmente em se tratando da faixa-título. Você faz uma colaboração com Jorge Celedón, que é um ícone do vallenato, e Rosario, que por sua vez convoca as batidas do flamenco. Como tem visto essa atualização de discursos, de linguagens sonoras consideradas tradicionais, que cada vez mais tem tido aderência por parte de nomes do pop colombiano?

Eu gosto muito, particularmente. E tenho a impressão de que [ao empregar estes ritmos] faço uma viagem musical por outros países também, como é o caso do flamenco, que divide a cena com o vallenato em ‘Dharma’, a faixa-título. A participação de Rosário é muito importante neste sentido. Em ‘Amores Pasajeros’, por sua vez, nós fizemos uma cumbia, que é essencialmente colombiana. Também puxamos referências do rock argentino, mexicanos e espanhol, de bandas que marcaram época. É como se a música pudesse agarrar uma série de riquezas de várias épocas distintas e trouxesse isso até o presente, as pessoas valorizam isso, como valorizam o folclore e os acordes que se distinguem um pouco desta etapa musical em que tudo era básico. Me parecia que quanto menos musicalidade tinha uma canção, mais as pessoas gostavam e agora uma quantidade significativa de ouvintes pede o inverso. Estava ontem mesmo passeando pelo Top 50 do Spotify na presença de amigos e me impressionou como voltou à tona o uso do baixo tocado ao vivo. Não é nada programado, etc. É encantador, supercool.

Por ser um disco apaixonado, há frases e versos que remetem, ainda que inesperadamente, à estética clássica das rádios dos anos 1980 e 1990. O romantismo dessa época, quase magnético, tem algo de especial, não concorda? É bastante frutífero para os músicos…

Totalmente! “Basicamente”, canção que se enquadra nisso que você se refere e abre o disco, por exemplo, nasceu em um momento de certa solitude, só comigo ao violão e a partir de um poema muito bonito. Para mim, a grande magia contida nesta letra está nos versos iniciais que dizem… [ele para e canta] “Luna está sola/tenía un planeta y le paseaban las horas/no era la única en su mar/y es que amar es difícil cuando hay alguién más/Venus le dijo/’No te mereces que hagan eso contigo”. Em seguida, quando entra o refrão você abraça as referências que trouxemos dos anos 1980 de forma mais clara, mas essa música bebe muito na fonte do que outros colegas têm feito nos últimos anos, é o caso do The Weeknd. É uma canção que propõe pensar os sentimentos de verdade. O que eu posso dizer sobre este álbum, Guilherme, é que ele foi feito sem pretensão alguma. Começamos fazendo música que gostávamos, música capaz de me fazer sentido apaixonado, disposto a trabalhar. “Tacones Rojos”, por exemplo, eu a compus no início deste ano me referindo a uma emoção particular e gostaria de compartilhar algo que queria expressar, não necessariamente às pessoas, mas no âmbito pessoal mesmo. Mas acabou gerando uma grande identificação por parte do público, por ser tão honesta.

Pode-se dizer também que este é um disco sobre liberdade.

Sim, exatamente! Preciso fazer um tuíte [ele pega o celular e escreve].

Por falar em honestidade… o que significa se colocar em posição de “melancólico anônimo”? É uma maneira de brincar com isso da desilusão? 

Veja bem. Desde pequeno eu sou bem dramático ao compor minhas canções. Sempre escrevi sobre desilusões e todos esses temas relacionados ao amor. Mas agora vejo que essa pulsão criativa se apresenta de uma forma mais real, escuto letras que dizem coisas do tipo ‘Morro por você’ e não gosto. Você não vai morrer por alguém e essa espécie de ‘hiperromantismo’, tampouco, me parece levarnos a algum lugar. Mas ‘Melancolicos Anonimos’ surgiu logo de cara como uma forma divertida e graciosa de abordar um tema presente na vida de muita gente que é a nossa relação com os nossos terapeutas, com os nossos analistas, ou mesmo com os nossos amigos, que nos ouvem e ajudam a encarar uma série de problemas. Ela resgata a integridade desse processo de superação, de todo esse processo que vai da tomada de consciência até as recaídas, ao ponto em que conhece outras pessoas. Você acertou, não quis assumir esse ponto de vista dramático, triste, mas sim o lado cômico. O vídeo ajuda a simbolizar bem essa ideia de que ninguém se salva disso [risos].

Ia falar justamente disso. Sinto que existe uma complexidade um pouco maior nos temas em que você aborda. O eu-lírico está muitas vezes em confusão, a tensão romântica perpassa várias canções… Ao abraçar tantas perspectivas e cantar até mesmo aquilo que não está bem claro, sente que está mais maduro enquanto compositor? 

Hoje vejo a vida em muitos tons de cinza, é natural que em certo momento você deixe de ver tudo em preto e branco. Os pensamentos e as histórias acabam se tornando mais complexos, já não é tão mais fácil dizer que se sente isso ou aquilo, ou dizer apenas que sim ou que não. O ser-humano, à medida que vai envelhecendo, vai mudando a própria cabeça e você precisa ser honesto ao se expressar. Chega um ponto também em que nos cansamos e tomamos decisões que nos libertam, nos fazem conectar com as nossas essências, com outros níveis de consciência. O que acho espetacular. Não dá pra dizer ou fingir que não existiu toda uma parte nebulosa antes, e não dizer que você se percebeu em outras fases da vida, que isso gerou canções.

Não posso me despedir sem citar o sucesso de “Encanto”. Acabo de ver que “We Don’t Talk About Bruno” conquistou vários feitos no Reino Unido, as previsões de charts também são excelentes para os Estados Unidos… na versão em espanhol você canta “Dos Oruguitas” e, certamente, deve estar muito feliz com a repercussão. Esperava que tivesse todo esse êxito, especialmente em se tratando de um filme não hegemônico, que evoca tanto amor e respeito pela Colômbia?

Desde a primeira vez em que ouvi falar de ‘Encanto’ me percebi completamente apaixonado. Por isso digo hoje que fazer parte deste projeto foi uma das coisas mais bonitas que a vida me permitiu viver. Obviamente, eu evito criar esperanças de que um filme ou um disco em que esteja envolvido vai conseguir um sucesso fenomenal como está acontecendo, mas acredito agora que isto está apenas começando. Por exemplo, hoje é dia 21 de janeiro e o filme estreou na Disney+ há pouco mais de duas semanas, então, pensar a quantidade de crianças que a está assistindo ininterruptamente e a mensagem que carrega em si é pensar também no viés da realidade. Não se trata de uma história sobre príncipes e princesas, e sim de uma família comum e como se sente seu membro mais “normal”, por assim dizer. Em certa altura, cada um de nós vai perceber, como no filme, que a magia está dentro de cada um – e isso é muito simbólico.

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